segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sobre Sandro Milton Vieira Angélico

"Estou em choque. Têm acontecido coisas muitos más, primeiro com a Sónia Brazão e agora com o Angélico. É muito triste e é um dos riscos da nossa profissão"  (Helena Costa para o Correio da Manhã).

Filha, carros a voar e casas a explodir? E és "actriz"? Isto não é Hollywood, bebé.

Pedro Ramalhete

Nasceu antes de Sena, morrerá depois de Sena

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A febre do conto já passou...




Latrina
Pedro Ramalhete







“Se eu largar, eu sinto a sua falta.
Se eu agarro ela perde a cor.
Ela não é dos meus dedos,
É dos meus medos”.
- Foge Foge Bandido

 O seu apartamento, algures no Bairro Alto, era o mais decrépito de Lisboa . Ford, Fassbinder, Tarkovsky e Ophuls foram-lhe retirando, ao longo de toda a sua vida, o tempo para limpar o seu reduto. Concebera, no início do século, um plano de reabilitação para a  habitação que foi esquecido quando viu, numa tela de cinema, três jovens a correr pelo Louvre. Em poucos meses, a Amazónia não era nada quando comparada à selva de lixo que se amontoava na kitchnet de Vicente.   
Quando bocejou pela quarta vez, naquela noite, olhou o poster do Morrissey colado na parede do seu quarto. No chão, o cadáver do gato dava-lhe vontade de comer bife com batatas fritas. Pequenos dejectos trilhavam o caminho até à latrina. Morrer sozinho era um dado adquirido para Vicente, jovem realizador de cinema. Gostava de ser um qualquer jovem dos filmes de Truffaut e de andar pelas ruas de Paris a abusar do ópio. “Deixar as reminiscências da nouvelle vague à guarda de Godard é um crime.”, pensava Vicente ao fumar o primeiro cigarro da noite. Desde que entrou no universo deprimente do cinema francês vestia gabardina e calças bem engomadas e calçava mocassins mal engraxados. Usava óculos iguais aos do Woody Allen para salientar o ar neurótico e taciturno. A barba rasgava-lhe o rosto, escondendo as cicatrizes de uma infância diabólica. Quase de certeza que tinha descendência judia. Tinha Camus nas prateleiras e pó nos cortinados. Vermes aquerosos davam cor e vivacidade ao fétido hall de entrada.   
Vicente era implacável para com a farsa de Nicholas Sparks. Sempre soube distinguir o piroso do bonito. No fundo, Vicente era um romântico inato. Admirava tanto a beleza, como Kubrick admirava a música de Ludwig van. A leitura de Nadja proporcionara-lhe uma visão pouco clara da beleza. Porém, todas aquelas palavras lhe deram a esperança necessária para encontrar uma rapariga morena de olhos azuis, cara pálida e trejeitos frágeís, que gostasse de ver filmes com ele. Não procurava pretextos para a masturbação. Todas as noites, antes de ver o primeiro filme, escrevia vinte vezes num papel: “A beleza será convulsiva ou não será nada”. O ritual repetiu-se nessa noite. Em frente ao espelho admitia a bizarria dessa rotina. Vicente achava que preencher o vazio com frases inspiradoras era um acto pretensioso. Contudo, não tinha nada com que se entreter. Para ele, ser poeta sem inspiração era um bom começo de noite.


***
Já ia no sexto cigarro quando se lembrou de que gostava de fazer um filme. Explorar a beleza. Mas como? Ele não sabia lidar com ela. Os seus devaneios provavam que a ficção sempre foi melhor do que a realidade. O pestilento televisor exibia O Último Tango em Paris. A nudez de Maria Schneider causava-lhe um conforto peculiar debaixo das calças. O universo erótico sempre mexera com ele. Filmar seios e excitar uma plateia era o seu sonho. Contudo, qualquer sequência sexual que concebia, mentalmente, parecia-lhe pouco eficaz. Os argumentos que escrevia e os planos que filmava tinham tanta espessura dramática quanto um qualquer filme pornográfico. Faltava-lhe ser Henry Miller. Não usava pénis nem vagina no seu vocabulário por falta de coragem. A sua cobardia era tramada.
“Álcool etílico ou acetona com coca-cola?”, interiorizava Vicente. O dilema de uma geração esquizofrénica. Farto do seu pudor, só pensava em apagar-se deste mundo e o seu apartamento não seria, provavelmente, o melhor sítio para o fazer. A merda que coloria o chão não o deixava nauseado ao contrário da sua cama letárgica e puritana, que lhe dava volta à barriga. Ligou a mil e um amigos que o rejeitaram assim como os seus pais o fizeram à nascença. O maço ia a meio quando decidiu sair de casa por uns momentos. 
Noite. Calor. Humidade. Brandy no chão. Raparigas bonitas com seios firmes era um regalo para os olhos de Vicente. Os estafermos com bigode e mamas descaídas davam-lhe vontade de rir. Os pensamentos ácidos de Vicente iam de encontro ao ambiente festivo da zona: “Não é preciso muito cuidado para ter uma apresentação decente.”. Caminhava pelas ruas labirínticas do Bairro Alto à procura de uma mercearia aberta àquelas horas. Os candeeiros deixavam-no maravilhado, especialmente aqueles cujas lâmpadas estavam fundidas. Nutria um carinho especial por becos escuros e isolados. Repugnavam-lhe as ruas populosas e muito iluminadas. Esta animosidade confirmou-se quando foi abordado por uma voz masculina:
- Os monhés ainda estão abertos, Vicente.
Vicente virou-se, vagarosamente, em direcção à voz. Era Júlio, o maior mentecapto de Lisboa. Pensou em responder da forma mais óbvia: “que estás aqui a fazer?”, mas não queria alongar a interacção por muito tempo. Odiava qualquer pessoa com educação de ralé. Vicente observava a os pêlos paleolíticos de Júlio, que transbordavam da camisa. As calças de ganga rotas e os chinelos de praia completavam a parafernália do mau gosto. “Que bimbo.”, observava Vicente.     
- Eu sei, obrigado. Mas tenho de me despachar, tenho pessoas à minha espera. -  Vicente, tentava evitar a propagação do diálogo.
Júlio parecia não estranhar a antipatia de Vicente, pois ria-se que nem um  palhaço. Provavelmente estaria bêbedo. Este patético ébrio tentava insistir na persistência:   
- Olha, ainda bem que te encontro. Precisava de te pedir um favor.
Prestar serviço a pessoas como Júlio não era do seu agrado. Virou-lhe as costas e seguiu com a sua vida. A renúncia de Vicente deixou Júlio extremamente alterado:
- Vicente! Vicente! – os gritos de suplício de Júlio não incomodaram Vicente, que seguia ensimesmado.
  Queria sair daquele antro o mais depressa possível. Sentia falta do sossego e aconchego de sua casa. Acendeu um cigarro para que o tempo passasse mais rápido. Era um fastio estar perante tamanha algazarra.“Esta palhaçada não tem a poesia do bom cinema. A realidade é entediante.”, o grito de revolta.    
***
Subiu as escadas que iam dar a sua casa, o quarto andar direito. Sentia-se rejubilado depois de ter bebido meia garrafa de vinho do Porto. O martírio de subir a imensa escadaria não o afectava. O cenário era fabuloso: escadas infestadas de bichos da madeira, degraus desnivelados e propícios a uma queda brutal, paredes putrídas cobertas de esferovite e sebo a escorrer do tecto. O contentamento de Vicente terminou, abruptamente, quando descobriu que a porta de sua casa estava aberta. Nunca fora desleixado, por isso era impossível ter deixado a porta aberta. A luz estava acesa e lá de dentro emanava um cheiro voluptuoso e ladino. Puro deleite para o seu olfacto.
Puxou a porta devagar e entrou, cuidadosamente. Permaneceu estático a observar quem lhe tinha invadido a casa. Era uma rapariga. Não usava soutien, o que o deixava realmente excitado. Os lábios carnudos e vermelhos condiziam com os olhos azuis claro e com a cara pálida. Não precisou de muito tempo para perceber que a queria meter na cama; pretendia usar aquele corpo, frágil e angelical, para satisfazer as suas preversidades mais recônditas. Contemplava-a com medo. Dificilmente descodificaria a razão da sua presença. Sentia um calor a precorrer-lhe o corpo. Apaixonou-se, rapidamente, por aquelas formas concretas e absurdamente sensuais. Quanto a ela, parecia estar em casa. Mantia uma pose serena e discreta e esboçara-lhe um sorriso, mal ele metera o primeiro pé em casa. Vicente, fascinado, prescrutava-a a acender um cigarro, acendendo, logo de seguida, um para não ficar mal visto pela sua nova musa. Imaginou-a nua, a satisfazer os seus prazes mais libidinosos; o fim era uma apoteose orgástica, semelhante ao rebentar de mil bombas atómicas. Quando acordou desse devaneio luxurioso, devia ter o sangue todo do seu corpo concentrado no pénis.
Trocavam sorrisos e não palavras. O silêncio incómodo deixava-o extasiado. Perguntou-se muitas vezes se aquilo era um sonho, pois, na verdade, se aquilo fosse a realidade não tinha coragem para falar com ela. Tentou afastar a possibilidade de ela ser uma projecção da sua hedionda mente. Num acto heróico perguntou-lhe o nome:
- Lolita. – respondeu ela envergonhada, mas tranquila.
Obviamente que não seria a Lolita de Nabukov, as diferenças eram mais que óbvias. Se fosse, era a Lolita de Vicente: a sua mulher perfeita. Não quis saber da verdadeira origem de Lolita nem do porquê da sua aparição divina. O que era certo é que Lolita não era um nome comum em Portugal, e isso deixava Vicente encantado. Os mistérios e secretismos das mulheres deixavam-no louco. Aproximou-se da aparelhagem -mais ferrugenta que um monte de sucata- e pôs o vinil de Histoire de Melodie Nelson a tocar. A combinação era perfeita – a música, a podridão da casa e a presença dela -, atribuía um requinte mágico ao universo soturno de Vicente. Deixou-se levar pela loucura do momento e agarrou-a pelos braços. Num delírio sedutor, mostrou toda a sua virilidade:
- Não me interessa quem és nem de onde vens. Só te quero foder.
Vicente, o animal, tinha sido solto. Deixou-se levar pelo calor da rapariga e empurrou-a contra a parede. Lolita não se mostrou surpreendida, pelo contrário. A sua complacência era mais que evidente. Não resistia à força bruta dele. Tornara-se numa diva bacante: uma mulher submissa e perfeita. O ideal para Vicente. Despiram-se, mas evitaram a troca de carícias. Por momentos a dor de Vicente apagou-se. O id invadira-lhe o corpo desnudo. Pensava estar próximo de atingir o nirvana.
Na cama, os dois amantes devassos materializavam o desejo carnal. Tornou-se num ir e vir redundante que se ia transformando num prazer blasfemo. A geometria perfeita do corpo dela colidia ferozmente contra o suor peitoral de Vicente. Um autêntico duelo de titãs. Um banquete fausto que culminou na libertação dos demónios de Vicente. Nunca um orgasmo fora tão catártico.
Ela adormeceu com o corpo destapado. Os seios continuavam hirtos. Sentado na cama, Vicente acendeu o último cigarro da noite. Sentia um alívio enorme por ter encontrado uma mulher dócil, que não criticasse a deteriorização da sua casa. No entanto, continuava a estranhar a presença de Lolita. Sentia-se apaixonado. Mas a paixão não lhe apaziguava a alma. Sabia que amá-la implicava deixar algo de lado. Receava o seu futuro ao lado de uma mulher tão perfeita.
***
Quando acordou, fosse ela real ou não, estrangulou-a. 

Amanhã sociologia, hoje psicanálise


Isto é a resposta ao desafio de António Vieira. Não me lembro do que ele escreveu, nem quero saber. Mais que piloto automático é a espontaneidade de que eu tanto prezo na minha escrita. Vá, só quero dois minutos da vossa atenção. Preconceitos para com o hip-hop ficam à porta ou então enfiem-nos no c*. Vamos lá...

Tyler, the Creator, é um rapper nascido no ano de 1991 com dois álbuns editados (e agora deixemos as introduções à primária para outros blogues). Por detrás do monstro está um puto de 19 anos que só quer ser amado. Há talento e há raiva, muita raiva: contra o pai, contra as mulheres, contra o abstracto. A raiva tem forma mas não é direccionada a ninguém, ao contrário da dor. Essa, sim, é direccionada para todos, ou pelo menos é causada por todos (tanta esquizofrenia nesta escrita encomendada). Para controlar a raiva cria-se um alter-ego: Doctor TC, um psicólogo que vai gerindo o sub-consciente de Tyler, durante Bastard e Goblin (os dois álbuns). Os demónios são todos soltos e resultam em músicas fabulosas, que facilmente se distanciam do hip-hop convencional e alcançam um patamar nunca antes visto.
Invejo Tyler como criatura e criador. Com a mesma idade dele não tenho nada feito. Não me apetece escrever mais.

Oiçam esta:
"another love song about shit"


Pedro Ramalhete

segunda-feira, 13 de junho de 2011

123!


O funeral de Portugal deveria ser adornado pela poesia de Fernando Pessoa. Antes sequer da primeira mão de terra cair sobre o caixão as palavras do poeta ecoariam como o fantasma do próprio país já a pairar por ali. Uns fugiriam arrepiados; outros abandonariam o enterro com a invulgar indiferença de quem percebe só estar a enterrar um corpo; e eu, se lá metesse os pés (detesto funerais, compreendam), não sei em que grupo me incluiria. (Como assim o porquê da minha presença? Agora é preciso acrescentar novidade para entrar na história? Desculpem, mas isso não é para mim.) Fernando Pessoa fez-se Fernando Pessoa (e todos os outros, e tudo o resto) também a partir da condição de ser português, que depois enriqueceu como nenhum outro. Se lembrar a sua poesia não é preservar a nossa imortalidade, será com certeza preservar a imortalidade da sua poesia. Chega perfeitamente - até porque para exageros já basta falar em imortalidade, não é? Vá, saibamos ser mais que um corpo e celebremos sempre Pessoa. Quem liga a datas tem hoje um incentivo.  
António Vieira

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Cuidado!

Depois de ouvir o álbum Anjo da Guarda, escrevo no Google "António Variações" e vou espreitar as imagens. Escolho uma, imprimo-a com a máxima qualidade e minutos depois já tenho um homossexual pendurado na parede do quarto.


António Vieira

Hoje, dia de Portugal, João Gilberto faz 80 anos. Parabéns ao Brasil!


Não sou hipócrita: é quase exclusivamente aqui a que me dirijo quando tenho vontade de ouvir este senhor. Amigo, atente: mil novecentos e cinquenta e nove! Fundador. Para mim revelador. Gigante com os seus vinte e dois minutos. Obra-prima a funcionar como manual de instruções desde o seu lançamento.
António Vieira 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Community


O que mais me entristece é saber que só quando acabar é que vai virar culto. Quem não viu, devia ver. Neste momento, a melhor sitcom.

Pedro Ramalhete

terça-feira, 7 de junho de 2011

Última Emissão :'(



Amanhã, a partir das 22horas, na ESCS FM: "Senhores da Rádio" - ÚLTIMA EMISSÃO. A despedida (emocionante), a não perder ...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Noite Eleitoral

                                          

A História e o tempo dar-te-ão, quiçá, razão.
André Santos

quinta-feira, 2 de junho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Senhores da Rádio - "Versão Choco" - 17/5/2011

Goblin - Tyler, the Creator


Muito para 19 anos ou muito 19 anos? Valorizo sempre as obras que deixem a pairar na minha cabeça a pergunta: o que é que se passou aqui? Bom mérito. O talento é indiscutível. Por agora ganhou um fã moderado - recado aos mais impressionáveis: nesta música também há moderação. Peito feito como poucos, mas um pé subtilmente recuado. Há tanta desconfiança como histeria, e curiosamente a desconfiança parece-me bem menos artificial. Entretanto convido o senhor Pedro Ramalhete a tecer um comentário mais envolvido com o fenómeno Tyler.
António Vieira