terça-feira, 29 de março de 2011

Escatologia

   Digo, desde já, que este assunto é demasiado delicado. Peço ao leitor compreensão. Não tenho síndrome de tourette, mas prometo que vou asneirar o mais que puder e ser arrogante, talvez desassisado. Contudo, não se pense que isto é uma anedota.
   Estão três pessoas à frente de uma televisão: um coprólogo, uma actriz de revista e um miúdo fascinado pelo apocalipse. Sim, são uma família. Como qualquer família normal, comem em frente ao televisor. Não há diálogo possível, pois assiste-se ao fabuloso programa “Bora lá Marina”.
“Cócó xixi, pilinha pipi!”.
   Os graúdos riem-se; o miúdo, envergonhado, vai para o quarto a correr da forma mais melodramática que se possa imaginar. Em pleno trote disléxico, pensa: “Eu sei que trabalham ambos no meio de merda, mas rirem-se da Marina Mota ofende-me. O que é que eu fiz para merecer isto?”. O rapaz de cujo nome me esqueci, apesar de ser mais burro que o Cláudio Ramos, sente-se um sábio (crème de la crème) ao lado dos pais.
   Ter um pai que passa o dia a estudar excrementos e uma mãe que ganha dinheiro a bracejar “manguitos” para uma plateia de imbecis é difícil. Deprime. Este mundo, conservador, ainda não aceita estas profissões: “olha, lá vai o filho do gajo que é perito em escatologia! Devia ter vergonha.”. Imagino o sofrimento de um filho cujo pai tenha de ganhar dinheiro a estudar fezes humanas. Deve ser uma merda (humor demasiado escatológico?).  
   O puto nunca leu a Bíblia, a teologia pouco lhe interessa. No entanto, não há pessoa mais devota do que ele quando se fala sobre o fim dos tempos.“Gostava de ler o Apocalipse”, pensa ele, preso no seu cubículo intelectual. Estes pensamentos, aleatórios, penetram-lhe na cabeça enquanto ouve, lá ao longe, a voz estridente de Marina Mota: “Feitiozinho de merda!”
   No cimo da prateleira está uma Bíblia poeirenta. Sim, vamo-nos focar na igreja católica (ninguém quer saber da visão apocalíptica das outras religiões). A curiosidade invade o rapaz. Pega no melhor livro de ficção de todos os tempos, e começa a passear pelos versículos finais. “Isto é mesmo bom!”, exclama completamente extasiado.  Devora uma página atrás de outra, ao mesmo ritmo que os senhores seus pais arrotam o alfabeto, em uníssono (escatologia também é diversão).
   Escusado será dizer, que a intepretação de um miúdo de treze anos da Bíblia é semelhante àquela que Charles Manson fez da música Helter Skelter. Mesmo assim, penso que  adorar o fim do mundo faz mais psicopatas do que a música dos Beatles. Ah! Já me esquecia. O humor de revista -Marina Mota, Carlos Cunha e o resto da corja-, cujas frases acabam sempre em alho e ona, também é um catalisador para a psicopatia (escatologia também é miséria). 
   Mas, visto que o limite de caracteres escasseia, vou directo ao assunto. O filho, armado em Bruce Willis, numa sequência de Pulp Fiction, empunha uma espada de samurai, que estava, tal como a Bíblia, no cimo da prateleira. Num bilhetinho escreve, toscamente: “toda a merda merece um apocalipse” (escatologia também é loucura). Qualquer pessoa, com dois dedos de testa, que leia isto percebe o que está para acontecer.
   Escalpes a voar, sangue a jorrar como se de um repuxo se tratasse e vísceras na parede. Inspirado nos filmes mais ferozes de Tarantino, cria-se um cenário escatológico. O miúdo teve o que queria: pôs termo ao sofrimento alegre da sua família e teve o seu próprio apocalipse (escatologia também é moral).  
   Não, a palavra que eu escolhi não foi “violência”, nem “demente”. Perguntam-me agora: “o que é que este delírio tem que ver com escatologia?”. Há pistas no texto, por isso, vejam no dicionário.    


Como os Senhores nunca falaram da Marina Mota decidi colocar aqui o meu texto da palavra, que fiz para a cadeira de TEP.

Pedro Ramalhete

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