segunda-feira, 14 de março de 2011

Os Monstros não Precisam de Amigos

O cinema em Portugal é prisioneiro de uma ambiguidade sinistra, quase perversa. Os projectos mais comerciais são ridiculamente megalómanos, mas não passam de anedotas artísticas. Sou sincero, não prestam. O cinema de autor é menosprezado e muitas vezes rotulado indecentemente de: “seca”, “bizarro” e “deprimente”. A ignorância do nosso povo nesta área é chocante. Falo num Fernando Lopes e respondem-me de forma natural: “quem, o jogador de futebol?”. Não, o realizador do fabuloso Belarmino.

A meu ver, o povo português continua a gastar, de bom grado, cinco euros para ver romances de cordel semi-pornográficos (Crime do Padre Amaro) e filosofias baratas sem qualquer tino (Second Life). Contudo, é preciso fazer o inverso: criar um sentimento de animosidade à volta destes monstros. Estamos a apostar muito em realizadores cujo talento é nulo, e, no entanto, temos muito bons realizadores por ai.    

O nosso povo, conservador, vê em Manoel de Oliveira o rosto do cinema entediante. Já os restantes autores estão catalogados de forma muito mais agressiva: freaks, hippies, drogados, maricas. Os preconceitos são tramados para o cinema nacional, mas tal facto não é de espantar. Alguém se lembra de Raquel Freire? Uma jovem realizadora portuguesa que na altura das contestações pró-casamento homossexual se manifestou aguerridamente, chegando ao ponto de simular um casamento com uma amiga. Lá está o rótulo de “maricas”. Mas, note-se, Raquel Freire não é homossexual. É pansexual. Coisa de freak, não? Um pansexual é um indivíduo que faz amor com todo o tipo de seres e coisas. Hippies...

Agora, sem ironias. Raquel Freire é uma realizadora muito interessante, com um universo muito próprio e diferente de tudo aquilo a que estamos habituados a ver, em Portugal. Mas, infelizmente, os portugueses não a conhecem, ou melhor, se a conhecem é por ser a "revolucionária lésbica". É pena. Rasganço é a obra maior dela. Um drama macabro sobre a vida universitária em Coimbra. Com uma fotografia brilhante, dando relevo ao vermelho, e banda-sonora contagiante (com músicas dos Ornatos Violeta). Um filme a conferir por todos. 

Moral da história: o nosso cinema está todo negro da tareia que tem levado do cinema americano e das pipocas. Nós, o povo, temos de combater esta tendência hedionda. Evite-se o escapismo e encare-se de forma séria o nosso cinema.

Sugestões: Pedro Costa, João Cesár Monteiro, Miguel Gomes, João Botelho, Marco Martins, João Pedro Rodrigues e Sandro Aguilar.       

Pedro Ramalhete

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